segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O escravo















Eu tentei fingir
o que, na verdade, era real:
meu corpo de negro, dolorido,
jogado num canto qualquer da senzala
Todos sairam para a plantação de cana
O jagunço chefe sentiu minha falta
e voltou eufórico
Ele era urn homem até simpático,
Minha cor,
olhos negros e
meu cabelo
Fiz força para levantar
cai antes de chegar à porta
Já me arrastava ao local
aonde os animais vinham beber
Tudo o que me recordo
é que ainda molhei a face
e acordei
no momento que via os meus irmãos
ao meu redor...
As correntes grandes
davam voltas em um tronco de madeira
e vinham terminar nos meus pés e braços
Foi quando alguem abriu a porta
e veio na minha direção
corn passadas lentas, porém
demonstravam raiva...
Ao perceberem que eram observados,
todos voltaram para a senzala fria, cheirando mal
Aquele homem se aproximou,
disse palavras revoltadas
e pegou o chicote na mão esquerda
No momento pude ver seu olhar de ódio
e compaixão ao mesmo tempo
que pronunciava palavrões
Eu apanhei como nunca apanhara na vida
Até que meu corpo, quase desfalecido,
ficou levantado apenas pelas correntes
nos braços Assim foi a minha noite
O corpo sangrando
e eu sem poder fazer nada
A minha alma se enchia de ódio

Momentos depois veio a conformidade
na espera de um dia encontrar a liberdade
e ser pelo menos o dono do filho
daquele que me escravisou
Não para fazer o mesmo
e sim, para que sentisse
o que significa ser escravo
Conturbado, ergui a voz
e gritei de tal modo
que todos da senzala e da casa central
vieram para a porta,
cantaram o nosso canto de guerra e de paz
A guerra porque entendemos
que o sangue de muitos
traria a paz para outros
aproveitarem da liberdade conquistada
O sol já saia lá nas montanhas
E a noite fora fria
Eu caí sem noção de tempo
Quando retornei ao meu corpo,
estava algemado por duas correntes
que saiam da parede
a altura da cabeça
Uma prendia meu pescoço,
a outra acorrentava meus bracos
Eu não era um negro fraco,
mas não era novidade existir urn negro
sem fisico, exuberância, vigor, saúde,força!
Meus cabelos enrolados, uma barba ruim
e uma cor preta-azulada
O chefe dos jagunpos abriu a porta
e entrou, livrou-me das correntes
e, em silencio, saiu
Sentei perto de urn balde
e lavei meu corpo
Quando meus irmãos chegaram,
já adormecera
Amanheci dolorido, mas bem melhor
Cinco dias após
fomos para o cultivo da cana,
o sol ardia na pele
O cansaço tomava conta de todos
que em meio às chicotadas
trabalhavam até o sol cair no horizonte
Durante o caminho de volta
era um martírio muito grande:
tinhamos de arrastar aquelas correntes
que nos obrigavam a andar enfileirados
Além das mãos,
de pescoço a pescoço uma corrente enorme
feria o ombro
Não podíamos conversar,
nem mesmo virar ao lado
A trajetória até a prisão
tinha de ser silenciosa,
ou todos seriamos torturados
tavez até a morte, se por ventura
não suportassemos as chicotadas
Aqueles chicotes cortavam a alma,
muito mais que o corpo
já totalmente cicatrizado e duro
Depois de tanto sofrer,
parecia que algo mudava:
as rebeliões começaram
e muitos negros fugiam
para formarem uma colônia
liberta do sistema
Uma vez eu consegui chegar
no mais alto e escondido
lugar onde todos se rebelaram
Confesso que nunca havia visto ódio,
dor e vontade de vingança
transformados em festa,
alegria e compaixão
Gritos de liberdade
e cantos de louvação
O mais interessante
é que os brancos sempre pensavam
que não tínhamos urn Deus. Enganaram-se,
pois o nosso Deus nunca foi racista
e sempre nos vê com igualdade,
uma vez que somos um povo,
uma raça de uma única cor
Foi por isso que nos trouxe a paz,
a liberdade
Eu revivi o meu tempo
que era lindo,
quando brincava
e fazia tudo o que me era direito
Eu, com meus 45 anos,
voltava a ser criança outra vez,
dançando ao redor
da imensa fogueira
Ficavámos felizes
Um dia desses me deu na telha,
uma vontade de ver
toda minha raça liberta
Este foi o motivo
que me trouxe de volta para a senzala
Fui flagelado, quase morri
Foram noites e noites
sem poder comer, nem dormir direito
Cada dia que se passava,
o sofrimento crescia mais e mais
Já corria o boato da abolição da escravatura
Era tarde, eu pensei
Os donos de terras mataram quase todos:
as crianças, os jovens
Poucos foram os velhos que resistiram
ao caos de ficarem aprisionados
e sem comida
Ninguem quis ir para o cultivo da cana
Ficavam soltos para trabalhar
Triplicaram o número de correntes
E os capangas faziam cerca ao nosso redor
Senti-me um bicho acuado, um passarinho sem asas,
um instrumento sem som Apanhávamos o tempo inteiro
até entrarmos no portão da senzala
Não comíamos, aproveitávamos as sobras
que eram lançadas aos animais
Zombavam de nossa face,
enquanto que a revolta crescia mais e mais,
a cada dia
Muitos eram os comentários que se ouvia
dos nossos donos
quando falavam das fugas
para o Quilombo dos Palmares
Quando viram que não havia mais saida,
decidiram fazer uma lei
que nos libertou
Na verdade, a pressão foi tanta
que a lei foi de contra gosto, mas
a única alternativa
que eles encontraram para evitarem algo pior a si mesmos
Tanto é que a lei não beneficiou
a nós escravos, mas
nos mandaram embora, para não terem custos
Assim é que ficamos sem quaisquer direitos
A perseguição foi tanta...
Não tinhamos trabalho, nem direito de votar,
pois formavamos uma classe hiper baixa
Mas sempre fomos nos quern sustentou as
Importações
e fartamos de alimentos a mesa do pais
E o que nos cabe?
Nada!
Ainda somos menorizados,
uma vez que eles continuam fazendo as leis
e furtando a nossa liberdade,
de tal modo que nos transformaram
em escravos civilizados
e racistas conosco mesmos Heróis, heróis!
Nós não precisanos deles
O que queremos e nossa liberdade de pensamento,
trabalho justo
Vocês dizem que
os direitos de cada qual termina
onde os de outrem começa
E como urn pedaço de terra:
o teu termina onde o meu começa
Na verdade,
nem sei onde colocar o pé,
porque tu invadistes estas terras
e me julgas
e me fazes um escravo social
Outro dia andava eu nas ruas
de uma cidade grande
e tu fostes ao outro lado,
temendo ser roubado por mim
Por fim, quem te assaltou
foi urn jovem parecido contigo, da tua cor,
de cabelos lisos
Eu só quero te alertar
e que nós continuamos aqui
e se nós vencermos,
finalmente haverá paz,
pois tudo o que eu quero e viver


BSF-DF

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Sergio,beija-flor-poeta